Conceito de natureza em Espinosa
Baruch de Espinosa, filósofo holandês de descendência portuguesa (1632-1677), acreditava que tudo é governado por uma necessidade de lógica absoluta. A ordem da natureza é geométrica. Nada há que ocorra por acaso no mundo físico; tudo o que acontece é uma manifestação da natureza imutável de Deus.
Em seu pensamento, a idéia de Deus é a de um ser que se confunde inteiramente com a natureza, quer seja esta criada ou crie-se a si mesma. As coisas acontecem mecanicamente, e o mecanismo é a razão, o mundo é a natureza e o que o movimenta é a razão e essa natureza é divina ¾ Deus ou Natureza.
“Da necessidade da natureza divina podem resultar coisas infinitas em número infinito de modos, isto é, tudo o que pode cair sob um intelecto divino’’. (Espinosa, Ética, Prop. XVI, p. 100 ).
Segundo o filósofo, Deus existe necessariamente. Cada coisa que existe é um modo, uma manifestação de Deus. Natura naturante é a própria substância, Deus e sua essência infinita; Natura naturata são os modos e as manifestações da essência divina: o Mundo. A natureza naturante, isto é, Deus; prolonga-se na matéria como modo de manifestação de Deus; este se basta a si mesmo no processo de automanifestação contínua – Natureza Criadora.
No momento em que toda a natureza decorre necessariamente da essência de Deus, não existem imperfeições na natureza. Assim, na natureza, o poder pelo qual as coisas existem e atuam não é outro senão o poder eterno de Deus. Existir, ser e agir são a mesma coisa, e tudo o que existe é necessário, e não há contingência no universo.
‘’Na natureza nada existe de contingente; antes, tudo é determinado pela necessidade da natureza divina a existir e a agir de modo certo’’ ( Idem, prop. XXIII, L. I, P.113).
Ainda segundo Espinosa, tudo o que existe depende de Deus, sem ele nada pode ser concebido; isso porque a natureza produz de diferentes modos, o conceito de substância na natureza é o de que tudo é bom, Deus é bom – que se vê não é o necessário, é o contingente, nada é estranho à Natureza divina, pois tudo faz parte de sua natureza, tudo está previsto no poder da substância criadora.
Este pensar conduz à uma visão da natureza onde ao sistema das causas mecânicas se superpõe um mundo regido por causas finais. Pois a multiplicidade dos modos (de Deus) não é contrária à unidade, porque esta se relaciona no seu ser e seu agir a ordem unitária de Deus.
De outro modo, as emoções não são separadas da natureza, são coisas naturais, e, assim, estão sujeitas às leis da natureza. A Natureza,(Deus), age em virtude da necessidade da qual existe. Não há fins na natureza, mas necessidade intrínseca. A emoção é geralmente uma idéia confusa, o homem, como uma parte da natureza, sabe que tudo procede da natureza divina, e que tudo acontece segundo suas leis eternas. O homem sabe que é capaz de substituir a emoção pela razão, na medida em que tiver consciência de sua liberdade, e uma vez que tenha compreendido a natureza das emoções, compreenderá que a razão não é contrária à natureza; assim como as emoções, esta é uma tendência natural do homem.
O intelecto humano é parte do intelecto infinito de Deus, é uma idéia, um modo do atributo do pensamento, e todas as idéias ou corpos surgem como manifestação necessária de Deus. Para que o homem tenha um conhecimento total da unidade da mente com a totalidade da natureza é preciso que ele, ao mesmo tempo, conheça a si próprio e conheça a natureza: que é por extensão conhecer, ou reconhecer, a Deus.
Para que o homem se compreenda e compreenda o que lhe acontece é necessário relacionar os acontecimentos com a idéia de Deus, já que tudo é parte de Deus. Desse modo, o homem está sujeito a seguir e a obedecer a esta ordem necessária para manter em equilíbrio seu ser. Entretanto, o homem é apenas uma parte da natureza, e esta, naturalmente, não está restrita às necessidades humanas mas a infinitas outras leis que se estendem à totalidade da natureza. O homem não pode, portanto, ser causa necessária de sua existência; logo, pode vir a sofrer mudanças exteriores à sua natureza, como, por exemplo, ser afetado pelas paixões.
A Natureza é pensante; este ‘’pensar’’, é a própria essência de Deus. Os atributos de Deus se fundamentam na unidade. A natureza é una, qualquer coisa, qualquer atributo de Deus resulta necessariamente de sua natureza absoluta. Assim, qualquer que seja o modo como concebamos a natureza, seja como extensão, pensamento ou qualquer outro atributo, sempre se encontra uma só ordem, uma única união de causas, uma só realidade: esta realidade é o mesmo que Deus.
Como Deus é a própria natureza, esta é, portanto, perfeitíssima e boa, porque o poder da natureza é o próprio poder de Deus, e o direito natural, o poder de Deus pelo direito que tem sobre todas as coisas. É somente pela liberdade absoluta desse poder que todo ser da natureza tem capacidade para existir e agir. Entretanto, Deus não é criador, pois isto suporia um limite a seu ser, Deus é a manifestação necessária de sua essência, ele é a sua própria causa, substância essencial, absoluta, única, infinita, a partir da qual tudo está determinado a existir, tanto em essência quanto em existência, ou seja, Deus se manifesta no existente, na totalidade da natureza, e esta manifesta a totalidade da existência e potência de Deus como causa eficiente imanente: pois a existência do mundo é a manifestação eterna, infinita e absoluta da essência de Deus.
‘’A Natureza inteira é um só indivíduo cujas partes, isto é, todos os corpos, variam de infinitas maneiras, sem qualquer mudança do indivíduo na sua totalidade’’.
(Idem, Prop. XIII, escólio, L. II, p. 155).
Necessariamente, somos levados, segundo Espinosa, a concluir que o amor a Deus deve ocupar o primeiro lugar na mente do homem, pois esta troca amorosa no plano intelectual é parte do amor infinito com que Deus ama a si mesmo, e o bem mais alto que acaricia o espírito é o conhecimento desse amor comparticipado; a perfeita harmonização do uno: Deus, Natureza, Homem, ou seja, ‘’Deus ou Natureza’’.
‘’Não existe nada na natureza que seja contrário a este amor intelectual, por outros termos, que o possa destruir’’.
(Idem, Prop. XXXVII, L. V, p. 303).
Dalva de Fátima Fulgeri
Licenciada em Filosofia/Unisantos
Bibliografia:
ESPINOSA, Baruch. Ética, Tratado Político. São Paulo : Abril Cultural, 1978, Col. Pensadores.
CHAÜI, Marilena de Souza. Espinosa: uma filosofia da liberdade. São Paulo: Moderna, 1995, Col. Logos.