AMÉRICA LATINA: UMA CRÍTICA À RAIZ DA INAUTENTICIDADE
Sempre que falamos em colonização, particularmente a latino-americana, nos remetemos ao modo bruto, desrespeitoso e sem fundamentação racional com que os europeus “descobriram-nos” aqui. Não teríamos o privilégio de contar a história particular da vida, mas melhor seria se não tivessem maculado a história desse povo.E é justamente esta dizimação que nos dá motivos para apontar as críticas ao alvo europeu.
Houve uma confusão, feita pela Europa, de alguns aspectos da universalidade com a particularidade européia.
Enrique Dussel, filósofo latino-americano, em sua filosofia da libertação apresenta duras críticas com relação ao modo como o europeu tratou os nativos da América, e como a Europa se pretende como centro de onde tudo converge, como matriz da cultura, da filosofia, ...
“O 'eurocentrismo' consiste exatamente com confundir ou identificar aspectos da universalidade abstrata (ou até transcendental) humana em geral com momentos da particularidade européia, de fato a primeira particularidade mundial (em outras palavras, a primeira universalidade humana concreta). A cultura, a civilização, a filosofia, o subjetivismo, e outros elementos moderno-europeus passaram a ser considerados pura e simplesmente (universal humano abstrato) com cultura, civilização, filosofia, subjetivismo etc.”[i]
Para entendermos melhor a questão nos reportamos a Emmanuel Lévinas, de onde Dussel também importa os conceitos de “outro”, de “mesmo” e da “totalidade”. Lévinas nos apresenta o “outro” como diferente do “eu”. Cada um de nós é distinto e diferente dos outros. Diferente pelo fato de que eu sou alto, magro, moreno, enquanto há pessoas que são baixas, com fisionomia diferente, enfim, naturalmente se traçam nossas diferenças. Somos distintos por que eu sou Eli, ninguém pode ser eu senão eu próprio. O caráter da individualidade é que nos distingue uns dos outros. Segundo este âmbito, ninguém pode me substituir. Eu sou o único responsável pelo que faço. Desta maneira, diante de mim, o outro é um mistério, devo respeitá-lo.
Quando Dussel critica a inautenticidade da filosofia latino americana, bem como da cultura, está dizendo que estamos sendo compelidos a assumir a identidade do outro e esquecendo-nos da nossa. Desta maneira, vivendo em uma realidade e pensando e agindo com base em outra. Ele procura então abrir caminho para uma filosofia e cultura próprias, respeitadas e autênticas. Diferenciando-nos da Europa por sermos América Latina, diferentes e distintos.
A Europa, em sua pretensão de universalidade, oprime e exclui os demais tornando-se protagonista do que Dussel chama de "mesmidade", ou seja, pretende que todos pensem da maneira como ele pensa, e assumam os mesmos ideais que os seus.
“... Eu desejaria denominar de principium opressionis aquele enunciado em que o Outro é considerado como oprimido 'dentro' da Totalidade, como parte funcional (e não como sujeito) à qual se negam os diferentes interesses que teria dentro do “sistema”. Trata-se do tema da alienação propriamente dita (da “coisificação” do outro)...” [ii]
A partir de uma ética fundamentada no respeito pelo distinto é que podemos dar cunho crítico ao nosso discurso. O que urge é iniciar a construção de uma identidade autenticamente latino-americana. Sabemos que fomos desrespeitados como “Outro” que somos; a Europa não tomou conhecimento de nossas distinções, nem gostou de nossas diferenças (não admitiam que os índios tivessem alma), nos condicionou dentro de sua mesmidade, sua maneira de pensar tornou-se única e se estendeu a nós. Agora estamos diante do desafio de pensarmos e agirmos por conta própria e sob os nossos âmbitos.
Na próxima oportunidade, veremos de que maneira a “Interpelação”, tratada por Enrique Dussel, pode servir para manifestar nossa insatisfação diante desta realidade e iniciar o processo de libertação, que não consiste na inversão de papéis.
Eli Carlos Del Pupo
Mestrando em filosofia-PUC/SP
[i] DUSSEL, Enrique. Filosofia da libertação. Crítica à ideologia da exclusão. Pg. 87.
[ii] DUSSEL, Enrique. Filosofia da libertação. Crítica à ideologia da exclusão. Pg. 109.