John LOCKE:
O Estado e a liberdade individual
Do século XVI até o século XVIII desenvolveu-se na Inglaterra uma filosofia com traços próprios e bem definida, contrapondo-se, de certa maneira, às idéias que corriam no continente europeu, como as de Descartes, Espinosa e Leibniz. A filosofia inglesa de então, apresentava duas diferenças fundamentais em relação à do continente europeu: a) não demonstrava uma preocupação tão grande com relação à metafísica, na questão da teoria do conhecimento e da filosofia do Estado e b) como método não apresentava um racionalismo tão rigoroso e sim um empirismo, ou seja, uma primazia pela experiência sensível.
Das idéias filosóficas deste período na Inglaterra, brotou uma reação prática ao metafísico, fazendo nascer a filosofia do “common sense” (bom senso), da moral utilitária, o utilitarismo e o pragmatismo que se difundiram, principalmente, na Inglaterra e nos Estados Unidos da América do Norte, até aos nossos dias.
É na Inglaterra que, em 1688 vimos acontecer a Revolução Gloriosa, antecedente da Revolução Francesa de 1789, na luta sobre a liberdade e igualdade, não só individual como também política.
Neste panorama, nasceu John Locke (1632-1704), filho de burgueses comerciantes ingleses, numa Inglaterra cheia de conflitos entre a autoridade do rei e a autoridade do parlamento, com aspectos religiosos, face à oposição entre protestantes e católicos, mas especialmente envolvendo interesses econômicos, tendo em vista o crescimento da burguesia diante da aristocracia. Locke filiou-se aos que defendiam o Parlamento (os whig) e contra os partidários do rei (os tories).
Durante o período da Revolução Gloriosa, Locke refugiou-se na Holanda. Retornou à Inglaterra após a revolução, em 1689 e escreveu suas obras mais importantes: As Cartas sobre a Tolerância, Ensaio sobre o entendimento Humano, Dois Tratados sobre o Governo Civil. As idéias liberais de Locke estão, fundamentalmente expressas, no segundo tratado. É também considerado um filósofo empirista racionalista mas, diferentemente de Hobbes, Locke considera o estado de natureza do homem como de liberdade e igualdade, vez que é regido por uma lei de natureza que a todos obriga, fundada na razão, e que a todos orienta para que não se prejudiquem mutuamente.
Nesse estado de natureza, Locke legitima a propriedade privada porque aceita ser através do trabalho que o homem adquire o que necessita. O homem teria em si mesmo “a justificação principal da propriedade, porque ele é o seu próprio dono e o proprietário de sua pessoa, daquilo que ela faz e do trabalho que ela realiza.”. O conceito de propriedade em Locke é, portanto, abrangente: pessoa, vida e bens.
No estado de natureza porém, Locke reconhece três estágios: 1º) o indivíduo só deseja possuir que lhe é necessário para o sustento próprio e de sua família; 2º) com o aparecimento da moeda, o homem sente necessidade de ampliar sua propriedade, levando-o à acumulação ilimitada e à desigualdade. Locke não condena a riqueza mas percebe que a partir daqui começam a surgir os conflitos; 3º) com a desigualdade, surge o usufruir frágil dos direitos e para normalizar a situação coloca ele três condições: a) a lei estabelecida por acordo geral, b) um juiz competente e imparcial para aplicá-la e c) uma força coercitiva para impor a sentença do juiz.
Desta forma, para preservar seus direitos naturais, racionalmente revelados e apesar de livres e iguais, os homens renunciam a uma liberdade total em favor do Estado, de modo a se contrapor ao interesse, que faz de cada indivíduo um homem parcial, ao mesmo tempo juiz e carrasco da lei natural. Cada indivíduo preserva seus direitos naturais, mas se despoja do poder de fazer justiça com suas próprias mãos e em causa própria. Há, pois, um consentimento.
É o consentimento é o ponto de partida da sociedade civil, fazendo com que os homens assumam as obrigações da sociedade civil, unindo-se em comunidade política, de modo a desfrutar, em segurança, o bem-estar propiciado pelos bens. O modo do consentimento se manifestar é informado pelo princípio majoritário; o corpo político tem de caminhar na direção em que o leva a vontade da maioria, impedindo que a monarquia absoluta seja a forma legítima de governo, já que nela só o monarca/soberano manteria intacta sua liberdade natural, acrescida do poder e da impunidade. Só se fossem loucos os homens renunciariam a seus direitos para se submeterem a essa forma de poder. Daí a importância do Parlamento. No entanto, é importante mencionar que para Locke, embora o poder legislativo seja importante devido à elaboração das leis e, com base nelas, exercer-se o poder de julgar e de punir, ainda não se reconhece o poder judiciário como independente e ainda não há, portanto, a teoria do poder tripartido, ou a divisão de poderes.
O povo é detentor da faculdade superior de destituir ou modificar o poder legislativo, sempre que o bem comum exija, o qual, por sua vez, pode mudar o executivo. Se o rei ou o legislativo agirem contrariamente à sua missão e abusarem da força, o povo tem o direito de recorrer à força. O povo é o trustor (aquele que confia, depositante, mandante) e a ele cabe vigiar pela execução do trust e o direito de revogar o mandato e destituir o mandatário ou trustee infiel. Aqui está o ponto culminante de Locke (ao contrário de Hobbes).
Para Locke, a finalidade do Estado está em garantir a proteção de propriedade, ante a renúncia dos indivíduos de fazer justiça pelas próprias mãos e ante a existência do duplo conceito de liberdade.
Em Locke, a sociedade política é distinta do governo ou poder civil e, por isso, o consentimento é sempre condicional e provisório. Seu individualismo liberal teve influência na Inglaterra, mas especialmente na França do século XVIII, com Montesquieu e nos Estados Unidos da América do Norte, na declaração da independência de 1776. Foi a primeira filosofia política que altamente influenciou o estabelecimento das condições de liberdade que, juntamente às teorias do consentimento e da confiança, tornaram-se os pilares políticos da teoria liberal.
Osvaldina Augusta da Silva
Mestre em Relações Internacionais - Universidade Complutense de Madrid
Belª. em Direito –Unisantos
Bibliografia:
MARÍAS, Julián, Historia de la Filosofia, Madrid, Alianza Editorial, S.A., 2000.
LUCENA DE OLIVA, Luiz Antônio, apontamentos de aulas de Filosofia Social.
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