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O animal que se esquece

Gazy Andraus

Doutor em Ciências da Comunicação - USP

Rubens César Baquião

Doutor em Linguística - UNESP

A minha intenção ao escrever essa história de três páginas, chamada O coração do primata, é reforçar a ideia de que somos animais e fazemos parte de um sistema cósmico. Essa ideia tão simples e fundamental quase não está presente nas discussões cotidianas e, mesmo em muitos debates filosóficos, nossa condição animal não é sempre considerada. Dividimos esse planeta com uma vastidão de espécies, algumas das quais estão por aqui há muito mais tempo do que nós, mas nos acostumamos a olhar para esses seres como criaturas distintas e apartadas da esfera artificial que nomeamos como “raça humana”. Na história em quadrinhos, reflito sobre a condição humana a partir do ponto de vista cosmológico. Com os humanos a se colocar como um elemento de desequilíbrio no sistema cósmico, que se caracteriza pela simplicidade, enquanto os humanos inventam a complexidade. O ponto de virada que destaco é o momento em que os “primatas” que somos aprendem a dominar a linguagem falada e escrita. A nossa capacidade de criar sentidos a partir da linguagem nos torna uma espécie muito distinta, somos capazes de criar mitologias em que a terra que nos pariu, e sem a qual nunca existiríamos, passa a ser a criação de deuses e deusas em forma humana. O homem se faz pensar deus. Assim, os humanos se esquecem que são um produto do processo natural e deixam de se reconhecer como uma espécie animal que está sujeita às condições climáticas do ecossistema planetário.

Nesse ecossistema, a nossa relevância é muito pequena e é bem provável que, nas centenas de milhares de anos da existência da nossa espécie, nossa ação no planeta favorece a destruição ambiental e a aniquilação das outras espécies. Essas são as reflexões que me levaram a criar essa história curta e singela. O Gazy Andraus leu a história e logo me disse que gostaria de criar sua versão dela, ilustrando-a em seu estilo intimista, e fiquei contente com o interesse dele. Logo recebi a versão com suas ilustrações e tivemos a oportunidade de conversarmos em vários congressos em universidades pelo país sobre os temas que estão na história e que nos são caros. Então é com muita alegria que celebramos essa nova publicação da história com os desenhos do Gazy em uma edição voltada à filosofia, que é o solo fértil onde os temas de O coração do primata podem criar suas raízes. 

Complementando as explanações de Rubens acerca de sua HQ, quando a visualizei publicada na revista “Hquê? , nº 1 de 2014, tive a vontade de vê-la redesenhada pelo meu estilo, pois ela tinha todos os elementos das chamadas histórias em quadrinhos poéticas, ou melhor, “fantástico-filosóficas”, que se formatou durante as décadas de 1980 e 90 no Brasil, tendo como expoentes pioneiros, Edgar Franco, Henry Jaepelt, eu e alguns outros poucos que vislumbravam possibilidades reflexivas pelas HQs. 

Na verdade, tenho dificuldade em desenhar roteiros com referenciais, mas a HQ “O Coração do primata” permitia voos ao explorar simbolismos conforme seu autor os havia desenhado (como um sol e uma lua tendo rostos e expressões faciais humanas). Ademais, nas 3 páginas, Rubens insere questões textuais e imagéticas que levam à uma reflexão mais aprofundada e filosófica que historicamente a humanidade vem perpassando.

Então, a versão que inserimos nesta edição de “Paradigmas” é a minha, porém, a história em quadrinhos original, poético-fantástico-filosófica, de Baquião pode ser contemplada também, caso queiram, na plataforma Issuu: https://issuu.com/gazyandraus/docs/o_cora_o_do_primata_-_baqui_o?fbclid=IwAR33b9pdvqvhtTRm-8Tp1N2NHmBEi_heapvmMlgq1_Vh3bfhcPJTb9P_ZFw, ou caso prefiram, diretamente sob este QRcode

Enfim, esperamos que possam usufruir desta reflexão que Rubens Baquião trouxe, podendo inclusive lê-la 2 vezes: aqui, impressa, com a minha versão, e no link, na versão desenhada pelo próprio autor original.