SOBRE O CONCEITO DE BIOPOLÍTICA EM MICHEL FOUCAULT
Eliúde Ferreira Lima*
No capitulo V - intitulado “direito de morte e poder sobre a vida” – de sua obra História da sexualidade I A Vontade de Saber, MichelFoucault revela que partir do século XVIII denota-se o evento da explosão demográfica e o alargamento da aparelhagem da produção. Elementos esses que contribuem para a visibilidade tanto do corpo individual quanto da vida de população sendo propósitos dos novos mecanismos de poder na contemporaneidade.
A forma de agir sobre a vida do corpo individual e sobre a regulamentação do corpo populacional adicionará sem dúvida ao crescimento de um sistema de capital que por vez tinha em primeiro momento não valorizado tanto este corpo, presentemente o assume a convenientemente a deleite do seu aumento. Ocasionalmente, a submissão do corpo, seu uso tal como a regulações das populações importam valor necessário para o novo tipo de poder e sua atuação. Observa Foucault, (1988, p.154) que esses elementos ganharam significância essencial em meio ao século XVIII, visto que foi justamente nesse momento que a vida humana entra na história, ou melhor, o adentrar dos fenômenos próprios a da espécie humana na camada do saber e do poder, na arena das práticas políticas. Não se fala aqui eventualmente que a vida era inexistente anteriormente, ou que até mesmo esteja se falando do primeiro contato desta com a história. Ao contrário disso, o biológico sempre exerceu compressão com relação ao histórico.
No ritmo do XVIII sucedeu alterações que modificou essa relação de dramaticidade, a relação biológico/histórico queanteriormente era flagelada pela morte, agora nesse tempo novo que surge e em sua roupagem incumbe-se poder acoplar a relação biológico/histórico à vida. Noentanto, esses conjuntos de conhecimentos que se desenvolve a acerca da vida humana tornam-se campos de um poder que passa a controlar a vida do homem por consentimento de poder e saber. Isto é, a deliberação não se dá mais pelo o ascético, mas o cientifico é que responde agora.
O homem ocidental aprende pouco a pouco o que é ser uma espécie viva num mundo vivo, ter um corpo, condições de existência, probabilidade de vida, saúde individual e coletiva, forças que se podem modificar, e um espaço em que se pode reparti-las de modo ótimo(FOUCAUL, 1988, p. 155).
A espécie viva entra nas malhas de suas próprias táticas políticas. O homem agora está inserido no jogo político e sua vida é a questão, a qual o próprio se compromete e assume-a. A modificação que ocorreu, trouxe resultados ponderáveis um deles foi a produção da ruptura no regime do discurso científico e este que assentou a vida e o homem na história, com todos seus pertences biológicos. Um poder-saber que toma conta disso através de técnicas de infiltramento fruto a partir desse mesmo processo.
Esta faceta de poder que ocorre na sociedade ocidental e que age imediatamente sobre a vida, compilando sobre esta, fazendo desta sua preferência tomando-a como finalidade ultima, administrando-a. Estabelecendo desta forma a biopolítica da vida.
Do que se trata em última instancia essa biopolitica da vida? Diz-nos Foucault, (1999, p. 289) tratar-se de uma nova técnica de poder que vai se implantar e se incrustar e se efetivar por meio de uma técnica disciplinar previamente instalada. Surge em complemento ao exercício disciplinar, porém, com aspecto mais geral, pois enquanto o poder disciplinar se ocupará do corpo individual, na biopolitica o que é importante, em princípio, é generalizar uma série de problemas, isto é, todos os aspectos do fenômeno população. Ao que essa nova técnica não disciplinar se aplica é a vida dos homens, isto é, não ao homem- corpo, mas ao homem vivo, ao homem ser vivo; no limite, ao homem espécie.
A nova tecnologia que se instala se dirige à multiplicidade dos homens, não na medida em que eles se resumem em corpos, mas na medida em que ela forma, ao contrário, forma uma massa global, afetada por processos de conjunto que são próprios da vida, que são processos como o nascimento, a morte, a produção, a doença, etc(FOUCAULT, 1999, p.289).
Essa nova técnica de operação do poder que já deixa de ser individualizante e se torna massificante, revela segundo Foucault (1999, p. 290) “um conjunto de processos como a proporção dos nascimentos e dos óbitos, a taxa de reprodução, a fecundidade de uma população etc.” esses constitui assim os primeiros elementos na segunda metade do século XVIII, juntando-se com uma amostra de problemas econômicos e políticos formando os objetos de saber e os alvos de controle dessabiopolitica.
Levando em consideração que o saber tem origem no contorno em que operam relações de poder é sorrateiramente político. Dentro dessa perspectiva abre-se espaço para que toda composição de saber será ligada a exercícios de poder. (Aparecerão e se aplicarão novos tipos de saber, como, por exemplo, a aparição do estudo da demografia, observações sobre as repartições das epidemias, condições de habitat, de higiene, etc.). Por último, fixam aparelhamentos de poder que toleram não somente a observação, mas intervenção direta e a manipulação de tudo isto sob o corpo populacional.
São esses fenômenos que começa a levar em conta no final do século XVIII e que trazem a introdução de uma medicina que vai ter, agora, a função maior da higiene pública, com organismos de coordenação dos tratamentos médicos, de centralização da informação, de normalização do saber, e que adquire também o aspecto de campanha de aprendizado da higiene e de medicalização da população (FOUCAULT, 1999, P.291).
Esses saberes configuram uma importância essencial, justifica e valida não so a ocorrência dessas instituições como também as praticas de poder decorrente de seu funcionamento. O saber é, pois algo como a titulação de confiabilidade ou disposição que se outorga para o exercício de um determinado poder, é a autorização cientificamente comprovada que garante o espaço para o “agir” do poder.
A nova tecnologia vai atuar a partir de um elemento que é um corpo, mas, corpo com inúmeras cabeças, este vai configurar o “terreno” dessa nova técnica de poder. O elemento população juntamente com seus fenômenos é alvo e objeto da biopolítica.
Eu lhes assiná-lo aqui, simplesmente, alguns dos pontos a partir dos quais se constitui essa biopolitica, algumas de suas praticas e as primeiras das suas áreas de intervenção, de saber e de poder ao mesmo tempo: é da natalidade, da morbidade,das incapacidades biológicas diversas, dos efeitos do meio, é disso tudo que a biopolitica vai extrair seu saber e definir o campo de intervenção de seu poder. (FOUCAULT, 1999, p.292).
Diz-nos Foucault, (1999, P.292-293) “A biopolitica lida com a população, e a população como problema político, como problema a um só tempo cientifico e político, como problema biológico e como problema de poder. A população constitui o primeiro elemento tal a biopolitica se efetiva, mas não poderia deixar de lado a natureza dos fenômenos que são levados em consideração. A natureza desses fenômenos somente é perceptível no nível global. A biopolitica é então uma técnica que dirigir-se aos eventos aleatórios que sucedem numa população considerada em sua duração.
Nos engenhos disseminados pela biopolitica, vai versar especialmente, de prevenções, de estimativas estatísticas, de medições globais; vai versar essencialmente, não a modificação de tal fenômeno especificamente, tal apresenta-se o indivíduo, no alcance em que é individuo, no alcance de existência, mas essencialmente, de interferir no nível daquilo que são as cotações desses fenômenos gerais, esses fenômenos no que eles tem de total. “Vai ser preciso modificar, baixar a morbidade; vai ser preciso encompridar a vida; vai ser preciso estimular a natalidade” (FOUCAULT, 1999, p.293).
A observação feita por Foucault aponta uma regulamentação acerca da vida onde esta forma de administração centra-se “no corpo-espécie, o corpo transpassado pela mecânica do ser vivo e como suporte dos processos biológicos”: (FOUCAULT, 1988, p. 152).
E Trata-se sobretudo de estabelecer mecanismos reguladores que, nessa população global como seu campo aleatório, vão poder fixar um equilíbrio, manter uma média, estabelecer uma espécie de homeóstase, assegurar compensações;em suma, de instalar mecanismo de previdência em torno desse aleatório que é inerente a uma população de seres vivos, de otimizar [...] mediante mecanismos globais, de agir de tal maneira que se obtenham estados globais de equilíbrio, de regularidade (FOUCAULT, 1999, P. 293-294).
O poder que antes aparecia como limitação, confiscação e repressão da vida, foi substituído por uma forma de poder que se configura e atua sobre a vida de forma a investir em seu desenvolvimento e não em seu desmoronamento.
Neste contexto, a vida do homem aparece como objeto de aplicação de um poder centrado na vida e não na morte.Assim, o direito de morte se desloca ou, dito de um outro modo, se apóia nas dependências de um poder que gere a vida. Um poder que está a conservar e ordenar esta vida em função de sua própria existência. No entanto, mascara a partir daí o exercício de poderes que se situam, se fixam, se apoiam, nas relações humanas, se inventa e permeia a própria vida. No momento em que este poder assume o papel de reger a vida, nos afirma Foucault (1988, p. 150) “o velho direito de causar a morte ou deixar viver foi substituído por um poder de causar a vida ou devolver a morte”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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*Mestranda em Filosofia na Universidade Estadual do Ceará - UECE, E-mail:Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.