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Entrevista

Com Renato Nunes Bittencourt,

Doutor em Filosofia - UFRJ.
Especialista em Filosofia Grega Antiga, Espinosa, Schopenhauer,
Nietzsche, Marx, teoria psicanalítica e temas relacionados a
teoria da comunicação, comunicação corporativa, Moda
Consumo e crítica da cultura contemporânea

Colaboração:

Wellington Lima Amorim

 

1. Partindo do pressuposto de que o conceito de Pós-modernidade expressa um período de transição entre a Modernidade e um futuro ainda por ser construído, pode-se afirmar que a contemporaneidade é marcada pela desconstrução dos valores do sujeito e o aparecimento do conceito de pessoa, como recusa do assujeitamento do sujeito moderno?

•RNB: Sim, pois a pós-modernidade se configura como a ruptura com a noção de sujeito atômico, cuja consciência se enraíza na interioridade metafísica. O conceito de pessoa evoca a noção de máscara, e nas experiências societárias contemporâneas percebemos a efusão das identidades múltiplas e fluidas, sem que haja qualquer compromisso moral-normativo com a manutenção das mesmas, tal como um contrato social.
2. Como você interpreta a seguinte afirmação: Agora é a hora da revanche e o demônio quer seu lugar restituído e os verdadeiros filósofos são seus profetas. Estes são aqueles que anunciam a vinda do libertador e que através do arquétipo de Dionísio, não deixará pedra sobre pedra. Patrocinará a liberdade, o livre arbítrio, e colocará nas mãos do homem a responsabilidade por suas ações. O encantamento, a magia, o prazer momentâneo e fugidio, a exaltação do eterno presente, serão características cada vez mais frequentes na nossa vida cotidiana. É o começo da Pós-modernidade, ou seja, da Era do Vazio.
 
•RNB: Durante milênios de tradição normativa da doutrina cristã e sua negação da vida em sua plenitude máxima, as potências orgiásticas do ser humano foram recalcadas em nome de ideais transcendentes, alienando-o assim de sua própria essência criadora.  A demanda contemporânea por experiências religiosas associadas a axiologias “pagãs” representa, de certa maneira, o anseio humano pela vivência do sagrado dissociada dos parâmetros normativos castradores da sexualidade humana.
3. É comum afirmar que o Brasil não tem Filosofia. E ainda, que temos bons intérpretes mas não possuimos o elán vital, a força criadora necessária que nos legitimaria como verdadeiros filósofos. No entanto, alguns discordam com esta forma de pensar, bem como a metodologia aplicada para se compreender como a Filosofia no Brasil se apresenta. Considera-se que ela está nas travessas, na superfície, nos becos, nos folhetins, em nossa literatura, contos, romances e nas crônicas jornalísticas. A Filosofia no Brasil é marcada pelas vivências, geradas por nossas observações diárias, cotidianas, totalmente contingentes. Todos os sistemas filosóficos sistemáticos tem “horror a contingência”. Suas arquiteturas consistem em tentar velar nossa condição precária no mundo.  Pode-se afirmar que a Filosofia no Brasil tem um futuro promissor na Pós-modernidade?
 
•RNB: Considero uma grande bobagem essa tese de que no Brasil não existe Filosofia, mas apenas intérpretes ou historiadores da Filosofia; o mais terrível é que essa tese é assinada por intelectuais conservadores que se colocam eles mesmos na condição de filósofos, ou são legitimados culturalmente como tais. Basta lermos os artigos da revista Filosofia Ciência & Vida para encontrarmos exemplos de como existem filósofos no sentido pleno da palavra em atividade intelectual incontestável. Talvez o que prejudique a legitimação e a consolidação da figura do filósofo no pensamento brasileiro seja a produção acadêmica do especialista, especialista máximo do mínimo, na qual encontramos intérpretes que outorgam para si o papel de sacerdotes de determinado filósofo, deslegitimando todos os pesquisadores que não seguem a cartilha da ortodoxia. Considero a morte intelectual do filósofo a dedicação fiel a um autor, como um cão de guarda de seu pensamento. Concordo com sua interpretação da insurgência da filosofia brasileira nos becos, nas ruas, nos romances, nos bares, é preciso resgatar esse viés dionisíaco recalcado pela tradição academicista que esclerosa a criatividade do pensamento. Precisamos ouvir o canto das ruas, a voz da cidade.


4. Qual a sua análise a respeito de uma grande política que empreenda um devir revolucionário, transvalorando todos os valores, onde combine os afetos e as energias dos indivíduos por um projeto hedonista e libertário, ou melhor, uma mística da esquerda?

•RNB: Considero que é uma saída viável contra a barbárie tecnocrática que se encontra associada ao Estado normativo, detentor do monopólio legítimo da violência e que legisla em nome das classes empresariais e dos especuladores financeiros.
Os movimentos contra-hegemônicos no combate radical ao fascismo instituído travestido de Estado democrático nascem do despertar de uma inteligência coletiva que agrega os corpos políticos em uma multidão capaz de destruir as bases corruptas do poder oficial. A violência empregada pela multidão na sua luta por cidadania é fruto de seu amor ao existir, e não é possível concebermos uma atitude revolucionária desprovida da força transformadora que se utiliza de meios violentos para fazer valer seu reconhecimento. O discurso da não-violência corre o risco de legitimar a perpetuação da opressão e abuso do poder militar sobre a multidão quando esta aceita docilmente a violência.  A superação das contradições impostas pelo Estado repressor sobre as aspirações de cidadania da multidão será conquistada pela apropriação da violência por esses grupos que emergem de todos os lados visando fazer valer seus direitos desapropriados paulatinamente pelos espoliadores chancelados pelo poder do Capital.