Coluna do Leitor
Teatro para quem?
No último dia 20 de março, dia Internacional do Teatro, o TEP, Teatro Experimental de Pesquisas, grupo de teatro do qual faço parte, abrigado pela Universidade Santa Cecília e dirigido pelo dramaturgo Gilson de Melo Barros, realizou mais uma apresentação nos ônibus coletivos da cidade. A proposta da intervenção é levar o teatro a um espaço público carregado de atmosfera cotidiana, além de ser uma grande experiência para o grupo, por ter esse confronto tão próximo com o público. Nós o chamamos de projeto Limites.
Assumimos de antemão todos os riscos, sabíamos que poderíamos ser vaiados, ignorados, violentados, desprezados, aplaudidos, consagrados, confundidos com assaltantes ou pedintes. Passamos por um pouco de tudo, nenhum acontecimento grave. Após as apresentações, o grupo discutiu a reação e o comportamento do público, e obteve algumas constatações de relevância.
O ônibus é local de apatia, de modo geral as pessoas estão em seus pensamentos e devaneios, evitando ao máximo o convívio e alguma relação com o próximo, a não ser pedir licença e troco ao cobrador, isso quando há cobrador. Invadimos esse espaço de intimidades intocáveis, de pouco bom humor e nos surpreendemos por ter surpreendido tanto. Conseguimos a atenção das caras mais carrancudas e dos corações mais esquecidos. Por outro lado, tivemos de enfrentar pessoas que se recusaram a nos perceber. Tiramos algumas conclusões. De maneira geral, não há o estímulo à arte, nem a observar e ser observado através de sentimentos mais sutis e alegres, como é nossa proposta. Diversas vezes, inclusive, parte do público teve a impressão de que iríamos pedir dinheiro, mas é a falta de estímulo que incomoda mais.
A todos os moradores de uma cidade cabe a responsabilidade de criar um ambiente cultural, com valores de justiça, ética, cidadania e respeito, da forma como nos cumprimentamos até as negociações financeiras. Desde passar com dignidade pelos momentos mais difíceis até se expor aos momentos mais leves, poéticos e divertidos.
E cabe ao artista a poesia da vida e a criação de momentos de confronto com o desgaste do cotidiano. O que levou o público a ficar tão distante e a perder a intimidade com manifestações artísticas e de elogio à vida foram sentimentos que não demonstram uma disposição para melhorar nossa convivência e para diminuir nossas angústias.
Fernanda Montenegro, falando a respeito de sua última peça, disse que a delicadeza foi inventada pelo homem, pois a natureza em si é dura, a delicadeza é um instrumento de sobrevivência.
Daniel Lopes Alves
estudante de jornalismo e ator amador. Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.