Estado, mercado e universidade pública!
As bases metodológicas e o funcionamento da educação escolar, desde o jardim da infância até a universidade, sempre foram e ainda são um espaço no qual as demandas do poder vigente na sociedade fazem eco. A política educacional é um dos grandes veículos de legitimação das relações de classe, produzindo homens e mulheres aptos para sobreviver em meio às contradições do sistema social. Aparelho ideológico do Estado, já diriam certos autores ligados a interpretação marxista da realidade. Porém não devemos esquecer que ao mistificar e tentar produzir uma versão da realidade social, o aparelho de ensino pode revelar as mazelas e conflitos desta mesma realidade. Como diria o velho Marx, todo produto traz em si as marcas do sistema que o engendrou. Nesse sentido, a educação e suas diretrizes abrem uma janela para o entendimento das contradições inerentes aos interesses das classes que compõem a sociedade. A política educacional é uma espécie de espelho dos jogos de poder, e é também um espelho que se auto-reflete.
No tradicionalmente “mal educado” Brasil, os reflexos do espelho cada vez mais apresentam aspectos caóticos. Triste imagem de uma política educacional que cada vez mais se afunda nas águas turvas do interesse de não educar. Pena que grande parte da população brasileira, colocada propositadamente à distância da escola, não acompanhe o drama que vive um segmento educacional estratégico para o presente e futuro do país: a universidade pública brasileira.
Nossa deficiente estrutura pública de ensino e pesquisa de nível superior padece, frente uma política de desmanche sistemático levada a cabo pelas autoridades. O descaso do Estado para com suas instituições é notório: professores mal pagos, cortes nos programas de assistência aos alunos carentes, redução sistemática das verbas para a pesquisa, degradação das instalações, ou seja, a universidade pública é vilipendiada em seus parcos recursos. Como alternativa, para suprimir os cortes das verbas, o governo prega que a universidade busque autonomia econômica, que procure parcerias com a iniciativa privada. A lógica da estratégia levada a cabo com esta política é clara: as autoridades federais, sempre mais preocupadas em satisfazer as determinações de redução de gastos públicos, impostas pelos credores internacionais do que em atender as necessidades do país e de sua população, resolveu abrir mão gradualmente de suas responsabilidades com o ensino e a pesquisa de nível superior. Impedido moralmente de leiloar suas instituições devido a resistência de certos setores sociais, o Estado procura agora estimular uma política que fala pomposamente em “autonomia”, mas na verdade transfere sua responsabilidade para o setor privado. Não nos enganemos: quem paga por um serviço quer receber com exclusividade seus benefícios. Isto faz parte da lógica de mercado e concorrência. Em suma: a universidade e sua capacidade de pesquisar deve estar apta para ser colocada no mercado como mais um produto a venda nas prateleiras. A universidade pública brasileira agoniza, lentamente, em favorecimento da lógica que proclama a mercantilização autoritária de sua capacidade de educar e de pesquisar.
Não se trata aqui de pura e simplesmente defender a estrutura universitária encasteladas no aparelho estatal e que tradicionalmente elaboraram políticas públicas pautadas na lógica da exclusão social. A universidade estatal brasileira bem merece uma reforma no seu modelo de gestão e atuação, porém, privilegiar uma lógica que valoriza a lucratividade da instituição como mais importante que o compromisso desta com o conhecimento é sacrificar um dos poucos espaços de relativa autonomia para a criação e difusão dos saberes em nossa sociedade. Devemos lembrar que praticamente quase toda pesquisa científica realizada no Brasil é elaborada no âmbito da universidade pública. Como ficaria esta pesquisa se o fomento fosse bancado por uma empresa tipo a Rhodia ou a Coca-cola Company? Qual seria o seu compromisso real com o público? Como ficaria a isenção necessária ao trabalho acadêmico quando confrontado com as necessidades das empresas que nele investiram?
Um país sem fomento público à educação e à pesquisa é um país pobre, pois abre mão de sua capacidade de pensar com autonomia. Pobre Brasil, que assiste sua pouca capacidade de refletir e descobrir tomando o caminho que leva ao altar dos sacrifícios em nome da onipotência do mercado. Triste Brasil é este da globalização, cujo destino é cada vez mais reproduzir as formas de saber sem questionar suas razões. É este o país que queremos deixar para as futuras gerações?
Marcos Tarcísio Florindo
Bacharel em ciências sociais e
Mestre em História pela Unesp