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Relação entre fato e proposição em Wittgenstein

As investigações desenvolvidas por Wittgenstein no Tractatus levou-o a postular uma profunda mudança na teoria do conhecimento. Wittgenstein, diferentemente de Kant, vê o mundo como uma totalidade de fatos e não de coisas. Desta forma, fundamental para o homem é perceber que os limites do seu mundo fundam-se nos limites do dizível. 

 

Wittgenstein considera a linguagem como expressão de um espaço lógico, o qual representa o campo lógico do mundo e este é o espaço da possibilidade, possuindo “n” fatos. A linguagem se expressa em proposições. Logo, há uma relação entre o mundo e a linguagem, e esta última é a totalidade de proposições.

O pensamento, na filosofia de Wittgenstein, tem uma posição importante, porque é mediante o pensamento que o mundo pode ser conhecido, uma vez que o pensamento é expresso através da linguagem. Portanto, o mundo só pode ser conhecido por meio da análise da linguagem.

 A linguagem está sempre em relação ao mundo e a validade desta só ocorre quando fundamentada nos fatos, os quais têm como correspondentes as proposições. Mas, o que é um fato? - Fato é uma apresentação e uma configuração lógica dos objetos, sendo que estes acontecem de forma independente uns dos outros, mas não podendo ser  conhecidos isoladamente.

Wittgenstein postula, então, uma relação entre fato e proposição. O percurso acontece da seguinte maneira: ao fato corresponde uma realidade, por sua vez, a percepção da realidade proporciona uma imagem no pensamento e por último forma-se a proposição com a expressão do pensamento (a imagem).

As proposições têm a função de expressar os nossos pensamentos sobre os fatos que por nós são percebidos. Em outras palavras, elas são as nossas representações lógicas dos fatos. Wittgenstein, no aforismo 1.13, diz: os fatos no espaço lógico são o mundo. Com isso, o filósofo quer significar que o mundo não é constituído apenas dos fatos atuais, mas de todos os fatos possíveis.

Pois, afirma no aforismo 2.06: a subsistência e a não-subsistência dos estados de coisas é a realidade. O estado de coisas refere-se àquilo que é dito em uma proposição, ou seja, é o significado da proposição. Pelas proposições é possível expressar a respeito do mundo, dizendo como os fatos podem figurar. Assim, o estado de coisas fazem parte da categoria dos fatos, por isso não fazem parte da categoria das coisas singulares e atributos.

Ou seja, estado de coisa é apenas algo que possivelmente ocorre, ao passo que o fato é o que realmente ocorre. Ainda sobre o referido aforismo é possível perceber que Wittgenstein se refere à realidade como a existência de estado de coisas possíveis, mas também como inexistências de estados de coisas possíveis. Assim, a possibilidade refere-se à existência e à inexistência de estado de coisas reais.

Pois, o que pode ser expresso pela proposição corresponde ao fato, aquilo que existe e está no domínio da realidade. Ao passo que, o modo pelo qual codifico o mundo é pessoal. O mundo não sou eu, mas conheço-o por meio do meu pensamento, representando-o. Assim, quando dizemos que o mundo dos felizes é diferente do mundo dos infelizes, referimo-nos a representação que cada um projeta na realidade a partir da experiência pessoal de vida. Cada pessoa pode ter uma representação do mundo, mas sem cair no relativismo. Essa representação da realidade é um pespectivismo, ou seja, a representação depende do ponto de vista da pessoa.

Por exemplo: um casal de namorados apaixonados, contemplando o luar pode, pela força do sentimento, enxergar ou representar a lua como uma inspiração para seu namoro, ainda que a lua nada mais seja de que um astro luminoso. Por outro lado, a lua para um o homem devoto de São Jorge pode representar, levado pela crença, a enxergar na lua a figura de um dragão sendo morto pos um valente cavaleiro.

 Como o fato corresponde à proposição, tanto um como outro pode ser classificado em elementar (atômico) e composto (complexo). O fato elementar é constituído de elementos simples (objeto), enquanto o fato complexo é composto de elementos complexos. Se o fato é atômico, logo a proposição é atômica ou elementar. Ou, se o fato é complexo, logo a proposição é complexa.

Já sabemos que a linguagem é a totalidade de proposições. E o que significa uma proposição? A proposição é a pintura lógica dos fatos. A proposição mostra um estado de coisas que figura a realidade, ou simplesmente, é uma imagem da realidade. Mas, ela também pode ser definida como expressão do pensamento e o pensamento é a proposição com sentido.

A proposição elementar é a mais simples, ou seja, é aquela que afirma a existência de um estado de coisa no mundo, utilizando elementos básicos da linguagem, a saber: nomes e predicados, que servem para descrever os fatos atômicos. Aqui podemos diferenciar o fato e o nome: o fato é descrito pela proposição, não  obstante,  aos objetos só se pode aplicar nomes, ou seja, só se pode nomeá-los, não descrevê-los.

Não se aplica a proposição aos objetos, mas aos fatos. Isto, porque o nome sozinho nada diz e nada representa e a realidade só pode ser figurada mediante a combinação de nomes. A proposição é a representação da realidade, tal qual a pensamos.  É graças a sua lógica interna que as proposições se esforçam para representar os fatos, isto é, a realidade.

É também graças a essa lógica interna ou articulação lógica que a proposição pode apresentar sentido, pois o sentido da proposição só acontece quando suas palavras representam as coisas. Logo, o valor-verdade de uma proposição está na sua adequação à realidade, a qual tenta expressar.

A proposição atômica é a refiguração lógica de um fato, está assentada na realidade figurada. Só pode denotar algum sentido quando apresenta algum nexo - embora não causal - com a realidade figurada. Na figuração, encontramos verdade, a validade e a legitimidade da proposição que nos conduz à possibilidade: principal característica das proposições elementares.

 

Ex 1: a parede é creme.                 

Ex 2: a parede não é creme.

 

Trata-se de duas proposições, onde a probabilidade só pode ser excluída por via de uma confirmação total. A proposição atômica será verdadeira, quando o estado de coisas que ela procura expressar, existir. Sua veracidade encontra-se na experiência, que pode negá-la ou pode confirmá-la.

A proposição, para Wittgenstein, pode ser tautológica de acordo com a sua função de verdade. Esse tipo de proposição se faz verdadeira para todas as possibilidades de verdade da proposição elementar. Ela é verdadeira unicamente por causa da forma, pela natureza da construção gramatical, mostrando sempre e somente o que expressa. A proposição tautológica pode ser comparada com o juízo analítico de Kant que não fornece conhecimento, como exemplo: todo corpo é extenso.

Uma proposição também pode ser contraditória e por ser contraditória não denota sentido, pois não representa nenhuma situação possível. A proposição se faz contraditória quando o seu valor verdade for sempre falso. Tanto a tautologia como a contraditória não mostram nem determinam qualquer realidade. São proposições sem sentido, porque não dizem o mundo.

Uma proposição só poderá ser verdadeira ou falsa quando se referir ou não a um estado de coisa por meio de uma articulação lógica. Se a proposição é verdadeira, então se refere a um estado de coisa; se a proposição é falsa, então não se refere a um estado de coisa. A verdade de uma proposição complexa depende de uma proposição elementar.

Para Wittgenstein, a proposição tautológica é sempre certa, a atômica é provável e a contraditória, impossível, como podemos encontrar no aforisma 4.464. Estas últimas são sempre falsas no que tange a sua ausência de sentido. No caso da complexa, a proposição é sempre falsa para todas as possibilidades de verdade, porque as condições de verdade são contraditórias.

Enfim, para Wittgenstein, a ética, a estética e Deus estão no limite do mundo, transcendendo a realidade, porque não podem ser ditos sem o risco de mal-entendidos. Não devemos falar o que extrapola o fato, situando-se fora do mundo e não sendo passíveis de linguagem. Não podemos dizer a ética, mas vivê-la. Não dizemos a estética, porém a percebemos. Não podemos dizer Deus, apesar disso podemos experienciá-lo. 

Valdeni Lopes de Araújo

Graduado em Filosofia Unisantos

 

Referência Bibliográfica

 

WITTGENSTEIN, Ludwig . Tractatus lógico-philosophicus. Tradução e apresentação por  José Arthur Giannotti. São Paulo: Nacional, 1968,  152 p.

PEARS, David. As idéias de Wittgenstein. Tradução por Octanny Silveira da Mota e Leônidas Hegenberg. São Paulo: Cultrix, 1988, 191p.

ROVIGHI, Vanni Sofia. História da filosofia contemporânea do século XIX à neoescolástica.  Tradução por Ana Pareschi Capovilla. São Paulo: Loyola, 1999, 662 p.