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Conceito de natureza em Rousseau

O pensamento filosófico jamais deixou de se preocupar com as questões do homem em relação à sua permanência no cosmos. Desde o período pré-socrático, quando o homem emerge como senhor da razão, que a filosofia já questionava o afastamento do homem da natureza e a conseqüente desarmonia que isto lhe ocasiona. Desde então o homem tem sido insistentemente intimado através das variadas correntes filosóficas a promover o seu retorno à natureza da qual jamais deveria ter se afastado, causa da qual lhe advém a totalidade dos males. O próprio Homero nos tempos em que os deuses representavam a própria natureza já nos advertia através das palavras sábias de Zeus: ‘’Caso curioso, que os homens nos culpem dos males que sofrem! Pois dizem eles, de nós lhes vão todos os danos, conquanto contra o Destino, por próprias loucuras as dores provoquem...’’(Homero, Odisséia, c. I, v. 30 ).

Para Rousseau, filósofo suíço, nascido em Genebra em 1712, a civilização e a sociedade corrompem o homem, é necessário recorrer ao sentimento, voltar à natureza que é boa. Rousseau entende a natureza como sendo o estado primitivo, originário da humanidade, isto é, entende a no sentido espiritual, como espontaneidade, liberdade contra todo vínculo anti-natural e toda escravidão artificial. Segundo ele a sociedade impõe ao homem uma forma artificial de comportamento que o leva a ignorar as necessidades naturais e os deveres humanos, tornando-o vaidoso e orgulhoso. O homem primitivo entretanto, por viver de acordo com suas necessidades mais legítimas é mais feliz. Ele é auto-suficiente e satisfaz suas necessidades sem grandes sacrifícios daí não sente grandes angústias, através do sentimento inato da piedade ele evita fazer o mal desnecessariamente aos demais.

O homem não deve ser uma máquina em uma sociedade materialista; a liberdade não é apenas um direito, mas um dever imprescindível da natureza humana, que exige também a igualdade entre os homens em virtude de uma natureza comum. Tal natureza humana, sem os males da civilização, seria universalmente fraterna. Um liame capaz de promover a ordem e a coesão não só no plano social bem como no emocional, no espiritual. A própria natureza impõe sacrifícios ao individualismo, pois a natureza humana não é razão é instinto, impulso e sentimento, e a razão se perde quando não a guia o instinto natural.

A natureza do homem, para Rousseau, é a sua liberdade, pois  da disciplina natural das paixões nascem os verdadeiros valores morais: ‘’O estado de natureza caracterizava-se pela suficiência do instinto, o estado de sociedade pela suficiência da razão’’ (Idem, p. 247 ). Os sentimentos naturais levam os homens a servirem o interesse comum, enquanto que a razão impele ao egoísmo; para ser virtuoso basta que o homem siga os sentimentos naturais mais que a razão. Para Rousseau, a natureza não é boa porque algum homem assim o quis, ela é boa por conseqüência de uma ordem necessária na qual não impera a vontade ou os caprichos humanos: a natureza é boa porque É, ou seja, existe .

Logo, de modo algum as leis da razão humana poderá submeter as leis da natureza, pois a legislação racional volta-se exclusivamente à utilidade e a conservação dos homens. As leis da natureza porém, compreendem uma totalidade de outras leis que respeitam a ordem eterna, ou seja, a totalidade da Natureza, onde o homem é apenas uma parte.

Dessa forma, os homens têm sobre a natureza tanto direito quanto poder, porque tem por direito natural, a seu favor, as regras e as leis da natureza em virtude das quais tudo acontece. O que implica ter por dever, seguir as leis da própria natureza, que por conseqüência , é seguir as leis da natureza inteira. Conseqüentemente, a natureza humana não pode agir apenas segundo a razão, mas também pela determinação da sua vontade natural, pois ambas são direitos inerentes que fazem com que o homem permaneça necessariamente em seu ser.

A idéia central no pensamento de Rousseau, se fundamenta na convicção da bondade natural do homem, condição esta que o faz necessariamente feliz. Os percalços da socialização porém, afastaram o homem de si próprio lançando-o contra o seu semelhante. A partir desse embate da convivência social resultam dois conflitos: o que o faz voltar-se para a interioridade, instinto de conservação, amor de si, e o outro contrario que o faz conscientizar-se do outro, piedade. Esta tendência, é o que o leva  a transformar-se em ser social.

É nesse processo de transformação que o homem se degenera. Porque ele abandona seus instintos naturais passando a usar a justiça no lugar da piedade. A partir da socialização o homem torna se senhor da razão, e passa a movimentar a vontade com isso introduz-se o sentido de moral, antes desnecessário, do bom uso da vontade ordenada pelo senso moral o homem poderá chegar ao máximo de suas possibilidades como ser social a partir da escolha do benefício alheio em detrimento do seu próprio, ou se ao contrario escolher apenas a individualidade poderá rebaixar-se ao nível mais inferior na natureza, a animalidade, abaixo daquele nível do qual ele saiu.

Segundo Rousseau, a exacerbação da razão  conduz o homem para fora de si mesmo, o retorno à interioridade se faz pela sublimidade do sentimento, através do qual ele pode elevar-se da sujeição da razão e poder compreender a totalidade da natureza e alcançar o sentido amplo da liberdade através da consciência de sua unidade em relação a totalidade dos semelhantes e a universalidade da natureza. Fora da natureza, mal socializado, o homem se encontra em contradição consigo mesmo, aprendeu a ser hipócrita, o homem do homem, seu próprio lobo, uma criatura encurralada lutando para preservar a própria humanidade. Ao voltar à natureza, nesse caminho de procura o objeto de encontro é o próprio homem que  busca recuperar o sentido autentico do amor de si e da piedade, os dois únicos sentimentos legítimos em seu estado natural.

Assim sendo, no estado natural cada um é senhor de si mesmo  e o direito humano se torna ineficaz quando o direito natural for determinado pelo poder de cada um, pois quanto mais razão para temor o homem tiver, tanto menos poderes e direitos ele terá. Assim, só pode haver direito natural quando houver direito comum baseado numa vontade comum: vontade geral. (Rousseau tratará amplamente da ‘’vontade geral’’ na sua obra, O contrato social, onde trata especificamente dos males advindos ao homem através de uma incorreta socialização).

Desse modo, tudo na natureza é comum de todos, cada um só tem sobre a natureza o direito que lhe confere a lei comum e essas leis são estabelecidas desde sempre, eternas e imutáveis, e como tais devem permanecer pois ao homem não foi dado o direito de desarmonizar esta perfeição. Pois o homem como parte dessa totalidade não é criador, ele é tão somente criatura. Quando um único pensamento, uma  única vontade, une os homens os direitos são comuns, logo tudo deverá ser feito de acordo com a vontade comum pois a isto o homem está necessariamente obrigado.

Como se vê, segundo Rousseau, a socialização é a causa da desnaturação do homem, e o melhor caminho para a sua degradação. A comunhão com a natureza é a única forma de preservação da verdadeira essência do homem. Um retorno ao arquétipo, as origens. Uma transposição da ordem social para a ordem natural que tem como conseqüência a reconquista da verdadeira liberdade e felicidade. ‘’Mas as leis eternas da  natureza e da ordem existem... Elas estão escritas no fundo de seu coração pela consciência e pela razão; é a estas que ele deve sujeitar-se para ser livre... A liberdade não está em nenhuma forma de governo, ela está no coração do homem livre, ele a carrega por toda parte com ele...’’ ( J. J. Rousseau, O. C. , éd. PL., t IV, Émile, p. 857-8, in Gilda N. Maciel de Barros, Platão, Rousseau e o Estado Total, p. 199 ). 

Dalva de Fatima Fulgeri

         Licenciada em Filosofia – PUC/SP

 

BIBLIOGRAFIA:

Rousseau. Obras, São Paulo: Abril Cultural, 1978, Col. Pensadores

Barros, Maciel de, Gilda Naécia. Platão, Rousseau e o Estado Total, São Paulo: T. A. Queiroz Editor, 1995.

 

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