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 O Além-Homem Nietzschiano e a obra "O Cortiço" de Aluísio Azevedo

*Eliézio Azevedo

 

1- INTRODUÇÃO

                    Pretendo com o artigo presente fazer uma breve apresentação a uma das maiores obras literária brasileiras do século XIX, O Cortiço, e com isso explicar o pensamento de Friedrich Nietzsche, O Além do Homem, e como os dois autores se cruzam em uma audaciosa proposta de idéias e estímulos aos menos situados.

                   Através dos textos de O Cortiço pretendo colocar de maneira explicita os objetivos do personagem principal o Sr. João Romão, que por pertencer a um romance naturalista leva no seu DNA um realismo autêntico sobre a experiência e realidade, itens esses indispensáveis para se trabalhar de forma mais coerente a questão Nietzschiana de interesse nesse trabalho proposto.  Contudo mostrar a intertextualidade desta obra com fragmentos e idéias Nietzschiana e com isso demonstrar como a arte literária ajuda a explicar e a tornar mais tênue à compreensão de idéias e pensamentos Filosóficos.

 2- O CORTIÇO APRESENTADO COM ASPECTOS FILOSÓFICOS

                    O Cortiço se passa no subúrbio do Rio de Janeiro do sec.XIX, o personagem principal é o Sr. João Romão imigrante português, que consegue algum dinheiro a custa de muito esforço e aperto, consegue economizar tanto que constrói algumas casinhas nascendo assim O Cortiço.  Sempre determinado e cheio de objetivos que ao ver de seus esforços certamente seriam alcançados.  João Romão sempre aspirou grandeza e sempre trabalhou muito para isso nunca quis nada além de financias, sempre mais lucros e sempre prosperando.

                   O Além do Homem, pensamento Nietzschiano, traz uma proposta de localização do homem uma alto crítica e certeza de que o homem sabe aquilo que almeja, não importa se para ao longe ou para uma passividade, uma superação de si sem ídolos e sem barreiras para Nietzsche o importante é a consciência de que as atitudes tomadas são única e exclusivamente feitas por decisão do homem sem se deixar levar por idéias alheias, políticas, religiosas ou de “grandeza” de nomeações dadas ao homem com o intuito de tentar lhe enaltecer.

                   Aconteceu a João Romão uma quebra dessa corrente Nietzschiana, ele que sempre desejou prosperidade se deixou levar por um titulo de nobreza, que seria concedido ao vizinho, passando a dar mais importância do que a tudo o que tinha objetivado e alcançado.  Notemos na citação de O Cortiço:

“... Durante dois anos O Cortiço prosperou dia a dia, ganhando forças socando-se de gente... E depois no seu quarto de dormir... Tinha inveja do outro, daquele outro português que fizera fortuna, sem precisar roer nem um chifre; daquele outro que, para ser mais rico três vezes do que ele, não teve de casar com a filha do patrão ou com a bastarda de algum fazendeiro...”(AZEVEDO ALUÍSIO, 1890, p. 11)

 

                   Dentro da visão Nietzschiana o Além do Homem consegue superar-se de maneira consciente e sem ressentimentos, diferente da situação de João Romão, essa quebra com sua auto-localização transforma João Romão em um exemplo típico do que há de mais comum entre os homens, a alienação, como podemos ver João Romão não tentou superar-se sua tentativa foi superar o vizinho e para o Além do Homem temos que superar a nos mesmos, pois não existem parâmetros.  “o super-homem é o homem que consegue se ultrapassar a si mesmo” (NIETZSCHE, 2011, p 28).

                   Dentro da obra Nietzschiana é forte o incentivo ao Além do Homem, Friedrich Nietzsche incentiva e convida a liberdade e conscientização de escolhas, posição faltosa na vida de João Romão.  Na obra Assim Falava Zaratustra (1883-1885) de Nietzsche podemos relacionar posicionamentos de Zaratustra, personagem principal da obra, que vão de encontro ao descontentamento, mudança repentina e modelo de personalidade de João Romão, como na citação de Assim Falava Zaratustra:

“... o meu Eu deve ser superado: o meu Eu é para mim o grande desprezo do homem. Assim falam os olhos deles. O seu momento maior foi aquele em que a si próprio se julgou. Não deixeis o sublime tornar ao cair em sua baixeza!...” (NIETZSCHE, 2002, p. 54).

 

                   O grande erro de João Romão: crescer em paralelo ao ver do outro.  Como na passagem Nietzschiana citada acima João Romão se superava a cada dia, mas achou fraqueza e tropeçou ao comparar suas conquistas e alegrias na vida do vizinho, mau ele sabia que o vizinho também lhe invejava.  Essa estagnação pessoal se deu pelo simples fato de João Romão encontrar esse “sublime”, citado por Nietzsche, fora dele mesmo.   Observemos a citação de O Cortiço onde João Romão reflete sobre o vizinho:

“... e depois fechado, no quarto de dormir,... era ainda a prosperidade do vizinho o que lhe obsedava o espírito do vizinho, engrandecendo lhe a alma com um feio ressentimento de despeito...” (AZEVEDO ALUÍSIO, 1890, p. 11-12)

 

                   E em outro momento da obra de Aluisio Azevedo o mesmo vizinho, admirado por João Romão, também o invejava nos seus pensamentos e devolvia as mesmas considerações e inveja a João Romão, embora que em segredo, é o que podemos vê no trecho:

“... – Fui uma besta! Resumiu ele, em voz alta, apeando-se da cama, onde se havia recolhido inutilmente... Feliz e esperto era João Romão! Esse, sim, senhor! Para esse é que havia de ser a vida!... Filho da mãe, que estava hoje tão livre e desembaraçado como no dia em que chegou da terra sem um vintém de seu!... Fui uma besta! Repisava-se ele sem conforma-se com a felicidade do vendeiro...” (AZEVEDO ALUÍSIO, 1890, p. 12)

 

                   Notemos que essa conquista, este “sublime” só pode estar dentro de cada um é inútil procurar uma grandeza de vida almejada para si por moldes externos, nunca se sabe o que o outro pensa para ele e o mundo, foi o que aconteceu a João Romão e seu vizinho sem saber um estava querendo a vida do outro.  Contudo, conquistas efêmeras, o Além do Homem me diz que isto não é uma superação e sim uma cópia de vida do outro e não me ajudará a crescer e nem a me levar alem deste homem que sou, pois como posso crescer sendo outra pessoa? Como posso participar de um crescimento pessoal próprio, partindo de um modelo alheio? Será inútil. Ou seja, não existe fórmula de penetrar nas idéias e pensamentos dos outros, caminho obstruído seria como escolher dirigir por uma estrada acidentada que leva a uma rua sem saída, ou seja ainda, caminho difícil e conclusão irrelevante.

                   A proposta de Alem do Homem Nietzschiana possibilita nos encontramos como homens que somos entre o irracional e o além desse próprio homem, daquilo que podemos ser.  É um achado uma conquista pessoal, um convite para decidirmos o que fazer que rumo tomar e decidir sempre pela melhor escolha, mas tudo isso através do autoconhecimento de quem sou e onde pretendo chegar, pois não há outra forma de se manter em crescimento sem essa liberdade, isenta de paralelos.  Essa mesma liberdade que possibilita o poder de escolha sempre de formar consciente através de uma análise moral, catalisados por um niilismo que quebrar com tudo que possa ficar entre mim e meu poder de escolha.

                    João Romão ao chegar onde objetivava não se encontrou se escureceu isso lhe custaram trágicas mudanças de vida, longe, muito longe de onde ele mesmo poderia e queria está, se deixou levar pelo afã da ganância alheia, ao menos se fosse sua própria ganância teria vivido bem mais centrado em sua trajetória, isso lhe custou obstáculos que ele mesmo criou, no seu próprio caminho.

                   Em uma passagem de Assim Falava Zaratustra ele sintetiza bem o que faz fugir desses padrões do Alem do Homem, Zaratustra demonstra que a causa desse atraso, digamos assim, nas perspectivas e crescimento próprio é o próprio homem, vejamos:

“... Mas, para o amor de mim e da minha esperança te digo: não expulses para longe de ti o herói que há na tua alma! santifica a tua mais alta esperança... o pior inimigo, todavia, que podes encontrar, és tu mesmo... Porque eis aqui o segredo da tua alma: quando o herói a abandona, é então que se aproxima em sonhos o super homem...” (NIETZSCHE, 2002, p. 97e185).

 

                   Isso nos leva ao entendimento que a conquista do homem só pode ser medida pela vida do próprio homem e o que há de mais extremo, em termos de grandeza, esse julgar só pode ser feito pelo próprio homem. Contudo, quando esse homem se distancia de fatores alheios ele começa a vê, nele, suas possibilidades em todas as esferas de sua vida.  Quando esse homem rompe com seus heróis e quer dentro de uma liberdade ir mais longe esse homem consegue caminhar sempre mais, pois não existirão barreiras, não existirão parâmetros, só o que ele terá pela frente é o que ele mesmo almejou e isso será superado facilmente, pois só esse homem pode decidir o que fazer pra tentar chegar ao passo seguinte.

                   Essa liberdade Nietzschiana é viva e notória na vida daqueles que conseguem caminha a par de suas vontades, o erro de João Romão não foi almejar riquezas, lucros o erro foi querer ter a vida do outro, situação impossível e altamente desgastante e inútil, como posso ser livre pretendendo a vida de alguém? Impossível... Seria uma caminha desnecessária, para um aprisionamento explicito.  Isso pode se relacionado com a indagação que Zaratustra faz sobre liberdade no seguinte trecho:

“... Chamas-te livre? Quero que me digas teu pensamento fundamental, e não que te livrastes de um jugo... Livre de que? O que importa isso a Zaratustra? O teu olhar, porém, deve anunciar-se claramente: livre, para que? Podes propiciar para ti mesmo teu bem e teu mal, e suspender a tua vontade para cima de ti como uma lei? Podes ser teu próprio juiz e vingador da tua lei...” (NIETZSCHE, 2002, p. 96).

 

                   Essa real liberdade dialogada por Zaratustra é de uma simplicidade e ao mesmo tempo muito desafiadora para qualquer época, não só para o protagonista de Aluisio Azevedo que teve vida há dois séculos, essa é uma realidade contemporânea, livrar-se do olhar social e ser livre para si é muito difícil mesmo existindo a consciência e a informação dessa Liberdade desse Alem do Homem Nietzschiano.

                   Um alto julgamento dentro de uma análise moral, em uma sociedade inclusa em preceitos e preconceitos catalisada ao longo do tempo a: querer assim, a pensar assim, a julgar assim, é tão desafiador quanto conhecer-se e chegar ao Além do Homem. Pois o homem transforma o meio, mas antes disso ele é esse meio.

 

 3- CONCLUSÃO

 

                   Pelas informações citadas percebemos de quão é importante essa localização do homem, para esse homem chegar onde ele perceber que é o longe.  Esse modelo de Além do Homem apresentado aqui pela literatura de Aluísio Azevedo e por Friedrich Nietzsche por meio de aforismo, é vivo necessário e real a qualquer época, pois o homem se não superado se esse homem for idolatrado, invejado, seguido por outros homens, nunca traria nem nunca trará progresso e viveríamos como os animais irracionais, sem perspectivas e avanços de forma a combinar e a aceitar tudo o que nos é exposto pelo poder, geralmente chegando até nos por meios políticos, religiosos ou tradicionais, vindo de tão distante que seguimos, mas não sabemos mais quem os criou.

                   O Além do Homem nos convida a fugir disso de uma maneira bem responsável, mas sem deixar um método, pois isso seria uma contradição, tendo em vista que o Além do Homem é um despertar que nos motiva a crescermos ouvindo apenas nos mesmos.  Essa libertação Nietzschiana se distancia a qualquer modelo externo proporcionando um crescimento pessoal e automaticamente social, pois se observamos todo grande nome que serve como modelo, ele viveu sem dúvidas de maneira singular, viveu de sua forma.  Para que modifiquemos o futuro é preciso que vivamos o presente de uma maneira que esqueçamos esses modelos e passemos a viver nossos próprios projetos e com isso sejamos um deles, mas isso de maneira única.

 

*Eliézio Azevedo

 *Aluno do curso de Ciências Filosóficas, Bloco III, UESPI campos Parnaíba

REFERÊNCIAS

 - AZEVEDO ALUÍSIO. O cortiço, UNAMA universidade da Amazônia, 162 p.

Disponível em:

<https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&sqi=2&ved=0ahUKEwiVpJip4_3KAhXIi5AKHcdsBqQQFggcMAA&url=http%3A%2F%2Feducarparacrescer.abril.com.br%2Flivros-vestibular%2Fdownload%2Fcortico.pdf&usg=AFQjCNGjiJTMTT9RH3gu1XGwvlWAYZ-szw&sig2=Rc9r-ZgPjHvTacOWShKgAg&bvm=bv.114195076,d.Y2I> acessado em: 16/12/2015.

 - NIETZSCHE. Assim falava Zaratustra, tradução base Jose Mendes de Sousa, 2002 536 p. ebooksbrasil.org.

Disponível em:

< http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/zara.pdf > acessado em: 09/01/2016.

 - NIETZSCHE. O filósofo do niilismo e eterno retorno, coleção pensamento & vida volume 1, Antonio C Braga, São Paulo: Escala, 2011.