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A EAD e a volta da Filosofia ao Ensino Médio

 

A educação à distância e a volta da filosofia para o Ensino Médio: duas novidades da educação no país que ainda são muito discutidas. Para aqueles que fazem o curso de filosofia à distância ou leciona nele, torna-se ainda mais necessária tal discussão.

 

Proponho começarmos por pensar a Educação à Distância, que hoje é novidade aceita e rapidamente difundida no Brasil. Diferente do que a maioria das pessoas entende por EAD, esta não é somente o ensino através de uma sala de aula virtual, com o auxílio da web e internet. Há tempos temos vivido diferentes formas de Ensino à Distância, ou como alguns autores preferem chamar, Educação à Distância. Conforme definição de José Manuel Morin,:“Educação a distância é o processo de ensino-aprendizagem, mediado por tecnologias, onde professores e alunos estão separados espacial e/ou temporalmente.” [1] , podemos pensar em diversas formas de aprendizagem assim realizadas, lembrando dos meios de comunicação que auxiliam nesse processo, como correio, o rádio, a televisão, o vídeo, o CD-ROM, o telefone, o fax e tecnologias semelhantes.  Quem nunca ouviu falar do Tele-Curso 2000 da rede globo de televisão? E a própria programação televisiva! CDs – ROM com conteúdos de cursinhos profissionalizantes, pré-vestibulares, supletivos, etc. – uma infinidade de processos de ensino a distância. Ademais, as novas tecnologias aprimoram ainda mais essa metodologia de ensino trazendo novas possibilidades de ensinar e aprender.

Com as novas tecnologias abriu-se um “leque” de possibilidades de comunicação e informação. Porém, a forma com que são usadas pode trazer, no âmbito educacional, progresso ou alienação, um exemplo claro disso é a própria televisão, que com certeza não é um veículo próprio da educação, mas, educa! A Internet é outro exemplo: um mundo de informações, que podem gerar conhecimento ou um emaranhado de superficialidades. Como fazer uso dessa nova realidade tecnológica de forma a auxiliar o processo educacional? Como se livrar da questão ideológica reproduzida nestas mídias e privilegiar uma educação para o pensar?

Estas são questões importantes para os educadores (assim como para os filósofos!). Para que um canal como, por exemplo, a TV Cultura, ou sites sérios de pesquisas tenham audiência e sejam acessados é necessário construir uma nova mentalidade que não siga cegamente as propostas massificadoras impostas pela ideologia predominante, ou seja, todos iguais, assistindo os mesmos “programinhas”, fazendo uso dos mesmos sites de entretenimento, e salas de bate-papo – diante desse mundo de informações jogadas pelas mídias. Faz-se necessário um contra ponto, onde estas idéias veiculadas aleatoriamente possam exaustivamente ser trabalhadas em suas contradições, – Segundo Olgária Matos,“as imagens são delirantes, pois é próprio do delírio excluir a consciência, não se converter a explicações lógicas; o delírio não é reversível pela prova da experiência – e quando se vive de acordo com o delírio, pelo pânico da perda do mundo e a angustia do “fim”, o delírio pode se tornar uma ideologia de vida. O extremo realismo procura mostrar as coisas sem qualquer mediação teórica, isto é, sem nenhum exercício de pensamento, como se o existente fosse despojado de sua essência, a realidade destituída de sua idéia.” (Discretas esperanças – Reflexões filosóficas sobre o mundo contemporâneo, pg. 30)

Diante do exposto, fica claro o papel que cabe a educação – instigar e promover a reflexão exaustivamente contra todo tipo de alienação, fetichismo e dogmatismo, criando meios para que o pensar tenha no referencial teórico a ferramenta indispensável contra todo tipo de cultura para as massas.

Nesse sentido podemos compreender que a EAD por si só, como ferramenta de ensino, não pode deixar-se arrastar pelos modismos tecnológicos da modernidade sem a devida responsabilidade social que lhe cabe – nas palavras de Lebrun Apud Olgária (...) “A amathía é, para o cego, o fato de crer que vê. Não se remedia a amathía através da didaskalia (ensinamento de uma profissão). (...) Para sair da amathía é preciso não apenas virar a cabeça e violentar-se ou observar melhor: é preciso obrigar aqueles que são capazes (e estes são muitos) a olhar em outra direção”.

Com a inserção da educação no “mundo virtual”, os cursos de EAD se multiplicam, e com as novas experiências aperfeiçoadas e compartilhadas, a tecnologia da educação ganha cada vez mais adeptos dessa modalidade de ensino; pois atendendo um maior número de indivíduos, pode integrar o humano e o tecnológico, o individual, o grupal, e o social. Encurtando distancias sem perder de vista a qualidade, este é o fator essencial para a formação de novos profissionais.

Os estudiosos do assunto indicam várias formas de qualificar este ensino, galgando melhor desempenho que no conhecido e defasado ensino presencial, posto que o virtual quebra barreiras de tempo e espaço; auxíliando individualmente a cada aluno, diferente das possibilidades do presencial dos dias atuais, o qual em suas as salas contam com cerca de 35/40 alunos no E.M e cerca de 50/100 alunos nas graduações, ao mesmo tempo, por sinal, por um curto espaço de  tempo: 50, 100 minutos (15 para ficarem quietos, 15 para fazer a chamada... o que sobra para a aula? Resta aula?).

O curso virtual usa de várias linguagens, e atende a cada um de forma personalizada. Professores e estudantes interando-se destas formas de linguagem podem fazer uso de uma quantidade enorme de informação, se souberem utilizar os recursos disponíveis, ter discernimento e disciplina, de fato o curso pode estar paritariamente junto aos presenciais.

Nesse processo de inovações, o primeiro passo é a troca de experiências, mostrar o como se faz, e o como deu certo, as experiências positivas e negativas, para em seguida multiplicar e dividir informações. Como mencionava Rousseau, filósofo e educador – uma nova educação não só mudaria as pessoas particulares, mas também a toda a sociedade, pois se trata de educar o cidadão para que ele ajude a forjar uma nova sociedade.

Não se pode simplesmente aderir, as novas idéias fazendo adaptações, e transformações de cunho técnico é preciso instigar nossa capacidade criativa, trocar idéias, informações, para construir, com estas novas metodologias, uma prática de ensino e aprendizagem, que ressignifiquem nossas relações pedagógicas.

O Ensino a Distância entrou como mais uma modalidade a ser trabalhada como parte da educação brasileira, independente das críticas ao método, ela é fato e teremos que nos aprimorar cada vez mais nesse universo do mundo virtual. Os bons profissionais precisam, como parte de mais um aprendizado, aderir e usufruir, e não simplesmente refutar as novas tecnologias,  é um desafio para os educadores, e para educação  no país. Nas palavras de Morin “Educar é colaborar para que professores e alunos - nas escolas e organizações - transformem suas vidas em processos permanentes de aprendizagem. É ajudar os alunos na construção da sua identidade, do seu caminho pessoal e profissional - do seu projeto de vida, no desenvolvimento das habilidades de compreensão, emoção e comunicação que lhes permitam encontrar seus espaços pessoais, sociais e profissionais e tornar-se cidadãos realizados e produtivos.”[2]

Cientes do papel da educação na vida e transformação dos cidadãos e, conseqüentemente do país, assim como, da oferta cada vez maior do ensino a distância, precisamos ter papel crítico nessa construção, aderir, mas sem modismos passageiros, juntar as novas tecnologias com o melhor daquilo que a humanidade produziu, isso é sinônimo de evolução.

 Mas falando em papel crítico, onde cabe a filosofia nisso? Por que sua volta para o E.M? Para que serve essa tal sophia? E o que tem a ver com a EAD?

Pois é, a Filosofia está de volta ao Ensino Médio, para ocupar o lugar devido que era seu. No entanto, ainda vive ao sabor das políticas governamentais da educação, no estado de São Paulo, com a publicação da nova matriz curricular, para o ano de 2008, passou a fazer parte do 1º e 2º anos, foi um grande ganho. No dia 08/05/2008, o plenário do senado aprovou a obrigatoriedade das disciplinas de Sociologia e Filosofia no currículo do Ensino Médio de todas as escolas públicas e privadas do país. Porém, por quanto tempo? É sempre uma incógnita, afinal, primeiro durante a ditadura e depois durante o governo de FHC, por exemplo, ela “desapareceu” das escolas da rede pública. É uma situação que não está totalmente resolvida, pois é inconstante, e vigora conforme a política do momento.

E sempre vem a pergunta: mas para que serve a Filosofia no Ensino Médio? Ora, se a Filosofia nos fornece os meios de pensar e compreender o mundo, o que mais podemos pedir-lhe? - isso vale todas as riquezas.  Na verdade, a idéia de “servir” para alguma coisa, nos remete utilidade, e talvez esse conceito utilitarista ou pragmatista não revele o real papel da Filosofia. Ela procura supostas verdades, não a posse das verdades, o filósofo contemporâneo Jaspers, coloca que: "fazer filosofia é estar a caminho; as perguntas em Filosofia são mais essenciais que as respostas e cada resposta transforma-se numa nova pergunta". E não seria isso que nos faz ser mais questionadores e críticos perante o mundo em que vivemos? Que nos faz agir para transformar a realidade quando ela não nos agrada? E quão necessário se é mudar esse caos atual em que vivemos?

Não, a Filosofia não nos deixa ricos ou famosos, nem superiores ou inferiores, ela, que em sua matriz engloba os diversos ramos das ciências do saber (como matemática, biologia, física, entre outras), nos dá uma visão ampla da realidade, com argumentos fundamentados a partir das teorias dos diversos pensadores que fizeram parte da história.

Representada a princípio na Grécia, principalmente na ágora, hoje que melhor lugar estaria a Filosofia senão nas salas de aula? Com professores bem preparados, que instiguem seus alunos ao pensar, promovendo uma visão crítica, que distancie comportamentos condicionados e massificados. Os nossos “famosos” PCNs refletem de forma clara o papel do professor-filósofo (ou seria filósofo-professor?), mas a forma, a metodologia e didática utilizadas para alcançar tais objetivos, terão que ser descobertas por cada educador e, a curiosidade das crianças e a suposta “rebeldia” dos adolescentes, com certeza auxiliarão nessa descoberta, assim o filosofar fluirá instantaneamente.

A diversidade de disciplinas que a Filosofia engloba, facilita ainda mais a exigida e importante interdisciplinaridade com as matérias do Ensino Médio ou mesmo do Fundamental: Estética, Lógica, Política, Filosofia da Linguagem, entre outras, que podemos pensar com Artes, Matemática, Geografia, Português, História, e por aí vai. Basta conhecimento, informação e criatividade.

É grande a responsabilidade destes que fazem da filosofia profissão de professor, que das leituras dos textos complexos e extensos dos pensadores, com séculos de historia, precisam transformar essa linguagem técnica dando significado prático e atual aos aprendizes, construindo e desconstruindo dialeticamente, idéias fixas e massificantes, ditadas pelas diversas estruturas do sistema em que vivemos.

Muito mais, há que se refletir sobre a Filosofia, sobre sua inserção no Ensino Médio, principalmente, e a importância destes conhecimentos e sua ressignificação em sala de aula e na vida dos formandos. Mas, passemos para uma outra questão que a envolve atualmente: a EAD e  a Filosofia!

Com essa “volta” da obrigatoriedade da Filosofia nas escolas da rede pública e privada, o mercado de trabalho para a docência amplia-se e necessita-se de pessoas habilitadas para assumir estas aulas, pois no momento não existe número suficiente de profissionais qualificados com estas competências, com a ausência do ensino de filosofia em nossas escolas, os cursos para esta área eram exíguos, e entre os poucos existentes o número de formados não é suficiente para suprir a demanda.   

Um exemplo desta realidade é vivida aqui na cidade de Santos, só existe uma Universidade com o curso presencial de Filosofia, onde parte dos alunos são seminaristas, ou seja, provavelmente não serão docentes. (então, formam-se por ano, em média 5 alunos) . Quantas escolas, e horas aulas temos na rede pública de educação, sem contar a particular, para serem assumidas? Ocorre que não existindo tais profissionais e, sendo exigidas as aulas, muitas pessoas formadas em outras áreas do conhecimento estão lecionando a disciplina, destas muitas com uma formação restrita dos conhecimentos da filosofia, ou nenhuma formação com os conhecimentos da área.

A EAD vem de encontro a estas necessidades expressas, formar os profissionais e habilitá-los para atuar de modo competente na área de Filosofia. (mesmo quando esta serve como meio para instigar aos alunos a cursarem o presencial.) O Ensino a Distância de Filosofia, assim como, o próprio curso presencial, não garante por si mesmos o profissional, é o início de uma formação filosófica e pedagógica, pois o processo educacional é contínuo, vai exigir leituras e estudos permanentes, de quem pretende atuar nessa área do conhecimento, a docência requer paciência e aprendizagem permanentes, a sala de aula nos traz desafios todos os dias, só o tempo dará a maturidade necessária para vencê-los.

Só não podemos deixar que se torne um processo mercadológico, “vamos fazer Filosofia pelo retorno financeiro, pois agora é a disciplina que mais tem aulas vagas”, afinal, hoje em dia, quem opta por ser professor, mais do que nunca deve amar o que faz, é uma profissão que exige de cada um o máximo de capacidade intelectual, e o retorno financeiro por vezes não está a altura dos investimentos que foram feitos.

A Filosofia deve encantar e surpreender, transformar e formar cidadãos críticos e atuantes, e para que o exercício filosófico seja mais disseminado em nossa sociedade, a começar pelas escolas, devemos ter profissionais sérios, éticos, engajados e amantes do saber.

Essa discussão não pára por aqui e, com certeza, mesmo que separados os dois temas – EAD e Filosofia no Ensino Médio – será assunto de diversos artigos, palestras, seminários, ou seja, ainda há muito que se refletir e muito que aprender e desenvolver com estas  novas experiências da Educação.

Juliana Janaina Tavares Nóbrega



[1] www.eca.usp.br/prof/moran

[2] www.eca.usp.br/prof/moran