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Refletindo com Ortega: Nosso Viver e o Mundo no Novo Milênio

 

José Ortega y Gasset nasceu em Madrid no ano de 1883. Estudou no  colégio de Miraflores da Companhia de Jesus, e posteriormente na Universidade de Madrid, onde doutorou-se com a tese El milenario (1904).

O seu desejo ardoroso de colaborar na modernização da Espanha leva-o a participar de forma ativa na política. Funda, assim, a “Agrupación para el servicio de la República”  sendo eleito deputado. No entanto, pouco tempo depois, a inexorável marcha dos acontecimentos  magoam e decepcionam o brilho de suas intenções, conduzindo-o, então, até a sua retirada da política “ativa” num sentido restrito. Não podemos confundir e nem fazer depender, como sinônimo ou condição para tal, o homem político com a sua atuação em meio as estruturas partidárias.

Ortega vai muito além de seu compromisso com este ou aquele grupo, pois, o seu leme é a filosofia como resposta e impulso vivaz para uma vida que renasce posto que não adormece: a vida desperta pelo pensamento dinâmico que busca o novo com urgência e sem temor. O homem aberto e sem preconceitos perante as aventuras do intelecto como poder transformador da vida e de si mesmo; o dinamismo do pensar possibilitando ao homem talhar a si e a vida com o cinzel da Filosofia.

 Suas palavras são bem claras e apontam horizontes seguros: “Para formarnos un concepto nuevo necesitamos antes tener y ver algo novísimo. De donde resulta que el hallazgo es, además de una realidad nueva, la iniciación de una nueva idea del ser, de una nueva ontología —de una nueva filosofía y, en la medida en que ésta influye en la vida, de toda una nueva vida— vita nova.”

O pensamento de Ortega e seu coerente exemplo de vida remetem-nos à uma reflexão que aborda  a problemática do homem atual e o exercício de seu papel na sociedade, ou seja, há uma grande diferença entre agir e irrefletidamente e agir após o beneplácito de muita prática em pensar cuidadosamente e levar tudo em consideração, inclusive as conseqüências de nossas ações. Essa habilidade de pensar leva a anos de imersão no diálogo filosófico, que educa o homem dialeticamente.

 De  certa maneira, tornar-se um agente de transformação  moral e social é como se tornar um médico; ambos estão comprometidos em criar uma harmonia. A vida do médico envolve exaustivos anos de renúncia e observação, experimentação, dedicado senso de estudo, o mergulho nas obras de renomados mestres do passado e do presente, trabalhado sob a orientação de outros mestres, preparando-se para diagnosticar o meio adequado para expressar o que ele quer sanar.

Contudo, tal conduta envolve e depende do desenvolvimento de nosso próprio estilo, nossa própria perspectiva, nosso próprio meio de tornar presente aquilo que nosso coração e razão potencialmente ufanam-se em manifestar.

       A vida, cotidianamente dá exemplos de como devemos proceder de acordo com o nosso senso do que é "certo" ou ainda cobra-nos uma resposta real diante daquilo que se apresenta como urgente e necessário ao desafiar os rumos de nossa existência e a forma e responsabilidade de nossas escolhas. É preciso dinamizar o viver, pela coerência do pensar com aquilo que se vive. Como diz-nos Ortega:  “La razón no es un tren que parte a hora fija”... El carácter estático, yacente, del existir y del ser, de estos dos viejos conceptos, falsifica lo que queremos expresar.”

         A filosofia tem um peso importantíssimo como colunata mestra dos novos tempos que se agigantam diante de nossos olhares repletos de admiração ao contemplar as possibilidades imensas do obrar humano nos séculos vindouros. Contudo precisamos ter bem presentes, em nossa atuação e reflexão, que tudo depende de nós porque o pensar não pode palmilhar seus rumos desapercebendo-se do viver, pois tudo que envolve o meu viver concede a minha pessoa o testemunho de minha própria existência.

         Ortega aponta-nos um atalho essencial para nossa sobrevivência na selva do milênio, que sequiosos penetramos com o nosso ânimo de desbravadores: “Para los antiguos, realidad, ser, significaba “cosa”; para los modernos, ser significaba “intimidad, subjetividad”; para nosotros, ser significa “vivir” —por tanto—, intimidad consigo y con las cosas.”

         Estar compromissados com a vida é o mesmo que compromissar-se consigo, ambos não podem caminhar separados. Estamos preparados para o novo milênio, bem como, os nossos ancestrais estavam prontos para povoar e desenvolver as terras que hoje nossas gerações palmilham. O milênio espera pelo dom de nosso ser como o noivo que aguarda aos pés do sacro altar o sim de sua amada, temos o privilégio de viver o que outrora jamais viveram, portanto, não podemos arcar com o título de usurpadores da humanidade, o nosso desafio é “ser” com o mundo e com as coisas que nos acompanham no desenrolar do drama de nossa história.

Bem claro soa o alerta do pensador que nos ilumina no doce ensejo destas linhas: “...desde nuestra presente situación, comprendemos muy bien la delicia que debieron sentir los griegos. Son los primeros hombres que descubren el pensar científico, la teoría —esa especialísima e ingeniosa caricia que hace la mente a las cosas amoldándose a ellas en una idea exacta. No tenían un pasado científico a su espalda, no habían recibido conceptos ya hechos, palabras técnicas consagradas. Tenían delante el ser que habían descubierto y a la mano sólo el lenguaje usual —“el román paladino en que habla cada cual con su vecino”— y de pronto, una de las humildes palabras cotidianas resultaba encajar prodigiosamente en aquella importantísima realidad que tenían delante... Nosotros, herederos de un profundo pasado, parecemos condenados a no manejar en ciencia más que términos hieratizados, solemnes, rígidos, con quienes de puro respeto hemos perdido toda confianza.”

Eis uma singela visita ao tesouro de Ortega y Gasset que, concretamente, ao erguntar-se sobre  O que é a Filosofia? Descarta os conceitos tradicionais, apresentando a vida num sentido ontológico, biográfico e histórico. Problematiza o viver e  demonstra que as circunstâncias sociais e históricas estão conosco, diante da nossa liberdade de decidir os destinos do nosso próprio ser.

 

Obs: todas as citações do presente texto referem-se ao texto de ORTEGA Y GASSET, ¿Qué es filosofía?,Lección X.

 

Prof. Ronaldo Ronil

Licenciado em Filosofia – Unisantos

 

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