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Da lógica e da possibilidade de falar bobagens(1)

A palavra lógica é comumente empregada no discurso cotidiano. Usamos “lógica” (ou “lógico”) para caracterizar explicações, comportamentos, procedimentos, etc.. Neste sentido, lógico é sinônimo de razoável. Tal caracterização deriva do significado mais técnico do termo, a saber, o que relaciona lógica aos métodos e regras que possibilitam a distinção entre o raciocínio correto e o incorreto.

            Não se pretende afirmar, com isso, que apenas ao estudioso da lógica é permitido argumentar corretamente. (De modo análogo, sabemos da existência de juizes que não são exatamente o melhor exemplo de obediência civil, apesar de serem designados para salvaguardá-la.) Sustentamos, somente, que o estudo da lógica fornece importantes instrumentos para aquele que tem interesse em raciocinar corretamente.

            Seja porque o constante exercício do raciocínio de certa forma contribui para a criação do hábito de pensar segundo determinadas regras, seja porque ao examinar falácias (tipos de raciocínio incorreto) o estudioso da lógica encontra-se melhor armado para detectá-las e, por conseguinte, evitá-las. O fato é que a lógica fornece recursos para a boa argumentação.

            Assim sendo, poderíamos perguntar: a lógica assegura àquele que corretamente a utiliza um discurso pautado em idéias razoáveis ou plausíveis? Ou, dito de outra forma, estaria o lógico isento de falar bobagens? A resposta é negativa. Se para os gregos a ontologia estava subjacente à lógica, sendo esta última um instrumento para a compreensão do real, na lógica simbólica (moderna) a preocupação com a verdade (ou concreticidade) das proposições proferidas não mais é relevante. Importa à lógica a VALIDADE dos argumentos e, conseqüentemente, a reflexão sobre os princípios da inferência válida. Entende-se por argumento qualquer grupo de proposições no qual se afirma que uma destas deriva das demais, as quais, por suas vezes, são consideradas prova (ou razão) para aceitação da primeira. Esta proposição afirmada com base nas outras é dita conclusão, enquanto as proposições pressupostas são chamadas premissas. Assim, um argumento é válido se a verdade SUPOSTA das premissas conduz NECESSARIAMENTE à aceitação da verdade da conclusão. Em outras palavras: um argumento é válido se é impossível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão, falsa.

            Como exemplo, tomemos o conhecido argumento válido “Todo M é P, algum S é M, logo, algum S é P”. Substituindo ‘M’ por ‘brasileiro’, ‘P’ por ‘religioso’ e ‘S’ por ‘ateu’, obtemos como conclusão “Algum ateu é religioso”. Conclusão esta que é paradoxal na linguagem ordinária, embora válida logicamente (a partir das premissas dadas). Deste modo, conclui-se que é possível proferir “bobagens” dos pontos de vista científico, religioso, metafísico, político,  e com o aval da lógica!

            Tendo em vista o poder de persuasão da lógica e sabendo que algumas conclusões duvidosas são logicamente inferidas de premissas razoáveis, deve-se perguntar: uma vez aceitas as premissas e a validade do argumento, como podemos continuar suspeitando da conclusão? Uma resposta possível seria duvidar da própria possibilidade de simbolizar logicamente a linguagem ordinária. O que garante, por exemplo, que ao dizermos “se ... então ...” estamos fazendo menção ao funcionamento do conectivo lógico de implicação? Ademais, como podemos identificar, na lógica, a intenção e a ironia presentes no discurso cotidiano? Eis alguns motes possíveis para um próximo artigo.

Profª Patrícia Del Nero Velasco

Me. Em Filosofia – PUC/SP